26.2.07

COMENTÁRIO (Cecília Silva)
Este filme, à semelhança do que acontece com outros filmes retratando a sociedade da cidade de Los Angeles, deixa pistas claras sobre a forma como esta cidade e a sua estrutura tem tido um efeito desagregador da sociedade aumentando clivagens e alimentado tensões sociais. Este discurso de culpabilização da cidade é bem claro na declaração inicial do filme, uma espécie de monólogo proferido por uma das muitas personagens cujas vidas acabaram por chocar ao longo do desenrolar da estória. No seguimento de um acidente de automóvel a referida personagem diz: “É a sensação do toque. Numa cidade a sério as pessoas caminham, roçam umas nas outras, trocam encontrões… Em Los Angeles ninguém te toca. Estamos sempre atrás deste metal e vidro. Acho que sentimos tanta falta desse toque que colidimos uns contra os outros só para sentir qualquer coisa.”
A acusação é clara, Los Angeles não é, segundo esta personagem, uma cidade a sério. E porquê? Porque as pessoas não se tocam. Numa cidade “a sério” as pessoas interagem com muitas outras pessoas com quem se cruzam momentaneamente nos diversos percursos do quotidiano. Mas porque é que Los Angeles é diferente? A declaração inicial parece querer transmitir a ideia que a culpa é do carro como sendo o invólucro de “metal e vidro” por detrás do qual as pessoas se escondem. O desenrolar da história revela no entanto um isolamento bem maior e mais profundo do que o resultado do uso de uma modo de transporte individual. Por detrás dos confrontos pessoais e das tensões criadas entre personagens parece estar uma sociedade individualista, resultado de um ciclo vicioso de medo e necessidade de protecção crescentes. A falta de interacção social leva ao medo do desconhecido e a criação de estereótipos para classificar o que não se conhece. Isto gera um sentimento de insegurança que por sua vez leva a que as pessoas procurem isolar-se ainda mais dos potenciais perigos resultando na diminuição da interacção social.
Como é que a estruturação urbana contribui para esta situação? Uma ocupação do território fragmentada (muito dispersa de baixa densidade), uma dinâmica urbana marcada pela reestruturação social e económica, onde pontua a diversidade social, a desagregação das classes sociais e a variedade dos estilos de vida, e se declinam novas lógicas (multi-focais) de localização de actividades, aspectos esses que reforçam redes relacionais múltiplas mas também cada vez mais centradas no individualismo.
Este filme apresenta, nas entrelinhas, uma consciência clara da responsabilidade das mudanças em curso no contexto da cidade pós-moderna no quadro das relações e tensões sociais.

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